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Em cerimônia que reuniu 250 pessoas na noite desta quarta-feira em São Paulo, a Arquidiocese de São Paulo e a Confederação Israelita do Brasil (Conib) celebraram os 50 anos da publicação da declaração Nostra Aetate, promulgada pelo papa Paulo VI em 1965 e que aproximou judeus e católicos após 2.000 anos.

Participaram da comemoração, no Teatro Tuca da PUC-SP, o cardeal suíço Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e da Comissão para as Relações Religiosas com os Judeus, o cardeal OdiloScherer, o rabino Michel Schlesinger, o presidente da Conib, Fernando Lottenberg, o secretário de Estado Floriano Pesaro – representando o governador Geraldo Alckmin – autoridades políticas e religiosas, além de dirigentes comunitários.

Em seu pronunciamento, lido em português, o cardeal Koch disse estar feliz com este dia de comemoração, pois “a Nostra Aetate marcou uma importante mudança de orientação na relação entre judeus e católicos”.

Ele notou que o texto da declaração foi aprovado no Concílio Vaticano II por 2.221 votos contra 88, e que as práticas recomendadas foram confirmadas por todos os papas pós-Concílio. “A Nostra Aetate não perdeu a atualidade, ela continua servindo como bússola na reconciliação. Como declarou o papa Francisco, diante da atual onda de antissemitismo: ‘não se pode ser cristão e antissemita’”.

Koch lembrou que a Nostra Aetate não começou no Concílio; ela começou a surgir e a se configurar em acontecimentos anteriores. Em agosto de 1947, 65 judeus e cristãos se reuniram na Suíça com o objetivo de erradicar o antissemitismo. Alguns dos pontos lá discutidos foram encampados pela declaração, na qual, “pela primeira vez na história, um Concílio se pronunciou de forma tão explícita sobre a relação com os judeus e o judaísmo”.

Ainda que a declaração não se refira apenas aos judeus, Koch considera que a relação entre católicos e judeus é especial, “que não temos com nenhuma outra religião, pois não se pode compreender a Igreja sem o judaísmo”.

Referindo-se à visão paulina de herança espiritual comum entre judeus e cristãos, Koch afirmou: “Somos ramos diferentes e interdependentes de uma mesma árvore. O Velho Testamento faz parte do legado da Igreja. Considerar que o Novo Testamento ultrapassou o Velho é uma visão perigosa, que nunca foi parte da doutrina oficial da Igreja”.

Sobre este tema, ele citou o papa Bento 16: “As duas leituras devem dialogar, ambas são possíveis e orgânicas, com suas respectivas visões de fé. Mas uma não pode ser integrada à outra”.

Koch concluiu: “Judeus e cristãos mantiveram sua crença e, por isso, permanecem indissoluvelmente ligados­”.

O presidente da Conib, Fernando Lottenberg, afirmou que a presença do cardeal Koch no Brasil é “um expressivo reconhecimento do trabalho de aproximação que judeus e católicos vêm desenvolvendo no país, ao longo das últimas décadas.

Em nossos dias, o extremismo religioso, supostamente em nome de Deus, procura tomar a cena e ocupar espaço em diversas regiões do globo. Festejar essa declaração significa, por um lado rechaçar toda forma de fanatismo e, por outro, reafirmar o compromisso da comunidade judaica brasileira com o pluralismo.

Neste contexto, as conquistas obtidas por judeus e católicos, nas últimas décadas, devem servir de evidência sobre a capacidade que possui o homem de superar conflitos dopassado e construir pontes de coexistência. É dever, dos homens e das mulheres de bem, defender com firmeza seus ideais e convicções. E é também por isso que estamos aqui esta noite.

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As conquistas dos últimos 50 anos são evidência da capacidade do homem para a reconciliação.”

Ele lembrou os pioneiros deste trabalho, cujo desenvolvimento deve prosseguir, “levando a mensagem de entendimento e de paz para a periferia das grandes cidades e para o interior do Brasil”, completou.

Dom Odilo Scherer lembrou o papel fundamental do papa João 23, que convocou o Concílio Vaticano II e pediu novas atitudes para com os judeus. O arcebispo de São Paulo notou que o desenvolvimento do diálogo foi e tem sido particular na cidade, com muitas manifestações públicas ao longo dos últimos 50 anos e, hoje, uma firme disposição para continuar avançando.

Michel Schlesinger, rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Conib para o diálogo inter-religioso, afirmou que, “no cenário de hoje, a Nostra Aetate não é uma opção, mas uma obrigação”.

João 23 foi um visionário, pois transformou 2.000 anos de desconfiança e perseguições em50 anos de respeito, diálogo e compreensão”, acrescentou.

Ele lembrou que os judeus também escreveram um documento que delineou as relações com os cristãos, destacando os pontos de convergência. Foi assinado por 220 rabinos e publicado em Nova York, no ano 2000, com o nome de “Dabru Emet” [“Digam a Verdade”, ou também “Conversem com Verdade”].

Este documento cita, no final, Isaías 2:2: “E acontecerá nos últimos dias que se firmará o monte da casa do Senhor no cume dos montes, e se elevará por cima dos outeiros; e concorrerão a ele todas as nações”.

O secretário Floriano Pesaro abordou o texto da Nostra Aetate e afirmou que “todos os credos deveriam explicitar essa tolerância”.

O monsenhor Thomas Grizza, representando o núncio apostólico no Brasil, dom Giovanni D’Aniello, disse que a tarefa do Concílio Vaticano II não foi completada: “Os documentos são apenas o ponto de partida; a vida dos povos e da Igreja deve ser impregnada por seus ensinamentos”.

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