Ramin Jahanbegloo: filósofo iraniano, Professor de Ciência Política da Universidade de Toronto.
Nos últimos nove meses, as autoridades iranianas têm se esforçado para oferecer sua própria versão das revoltas árabes. O Presidente Mahmoud Ahmadinejad disse que as revoltas no Egito e na Tunísia foram inspiradas pela atitude “desafiadora” do Irã contra as potências ocidentais. Enquanto o Líder Supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, elogiou as revoltas no Bahrein, Egito e Tunísia, chamando-as de “despertar islâmico” com “objetivos e orientação islâmicos.”
Um caminho muito difícil, mas preferível é o diplomático
Essa linha de argumento tem apenas um problema: é difícil que o experimento iraniano, caracterizado por problemas econômicos, um crescente isolamento, uma população descontente e profundas fraturas políticas, possa ser um modelo para os tunisianos, sírios, líbios e egípcios. Após a amarga experiência de 1979, os jovens iranianos já não têm uma visão romântica da revolução. Se o Egito, Tunísia e Líbia eram ditaduras unipessoais e, nelas, foi, portanto, mais fácil que a mobilização de um movimento democrático se concentrasse no combate ao poder pessoal, o regime no Irã é mais semelhante com uma oligarquia. Até mesmo o Líder Supremo tem de lidar e contemporizar com a Guarda Revolucionária.
A existência de mais centros de poder significa que o regime é mais resistente à mudanças. As forças armadas egípcias não lutaram por Mubarak, porque elas sabiam que poderiam sobreviver ao regime. No caso iraniano, a Guarda Revolucionária, que está intimamente ligada ao regime não pode esperar sobreviver a sua queda. Lutará pela República Islâmica porque assim vai lutar por si própria. O aparelho de segurança iraniano é mais eficaz e brutal do que os de Ben Ali e Mubarak. Desde os acontecimentos registrados após as eleições de Junho de 2009, a facção “essencialista”, que representa os interesses dos pasdaran, é apoiada pelos conservadores tradicionais, e tem consolidado seu controle do poder, enfatizando as características autoritárias do regime. Por outro lado, a concepção de qual é o fim último perseguido divide a oposição iraniana entre reformistas e partidários de pôr fim ao regime sacerdotal. Para os conservadores radicais, e aqueles que controlam todos os meios de exercer a violência na sociedade iraniana (a Guarda Revolucionária, os Serviços de Segurança, os paramilitares Basij), a sociedade civil e a democratização são incompatíveis com os valores e os ideais fundamentais do Islã e da Revolução iraniana. Por seu lado, para os defensores de um Irã mais tolerante, pluralista e democrático, o desenvolvimento da sociedade civil no país tem sido um surto de democracia, intelectual e prático, que indicou uma nova unidade de ação.
Dito isto, convém notar que o regime iraniano continua tentando ganhar popularidade na rua árabe e dominar a agenda política do Oriente Médio. No entanto, apesar de seu poder geopolítico ter aumentado, sofre de um terrível isolamento diplomático. Então, continua combinando uma visão ideológica do mundo com cálculos pragmáticos que visam atingir seus objetivos estratégicos. E o objetivo estratégico primordial da liderança iraniana é a persistência do regime. Apesar de seu isolamento diplomático e das revoltas nos países árabes, o Irã segue fornecendo dinheiro, armas e treinamento para seus representantes no Iraque, Líbano e Palestina. Continua também a influenciar o que acontece no Afeganistão através de uma estratégia multifacetada que o levou a apoiar o governo de Karzai enquanto secretamente também suporta vários grupos insurgentes e partidos da oposição. Conseqüentemente, muitos dos seus objetivos estratégicos são escurecidos pela ambigüidade, sejam suas operações através de um terceiro ou o seu próprio programa nuclear.
O novo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), apresentado recentemente, fornece mais informações sobre os esforços do Irã para fabricar ogivas nucleares. Embora o relatório seja claro e inequívoco sobre os experimentos que o Irã realiza para a construção de um “receptáculo para conter grandes explosivos” em um lugar perto de Teerã, não demonstra claramente que os iranianos estejam fabricando uma bomba. Frente ao relatório da AIEA e ao fato de Israel estar discutindo a possibilidade de atacar o Irã, Teerã reagiu lançando advertências violentas.
Nos últimos meses, os EUA começaram a realizar regularmente conversações estratégicas com os seis membros do Conselho de Cooperação do Golfo, cujos membros são Arábia Saudita, Bahrein, Omã, Catar, Emirados Árabes Unidos e Kuwait, o que supõe um contrapeso ao poder iraniano. Enquanto isso, o fato de Israel ter pedido ao mundo para prevenir o desenvolvimento de armas nucleares pelo Irã provoca especulações sobre um possível ataque de Israel contra aquele país. Mas deve se entender que um ataque ao Irã não acabaria com a sua capacidade militar nem com às suas instalações militares. Mataria muitos iranianos inocentes, na sua maioria opostos as ambições políticas de seu país no Oriente Médio. Na verdade, qualquer ataque aéreo contra instalações nucleares iranianas dispararia os preços do petróleo, causando danos imediatos ao comércio mundial. No entanto, também uniria aos iranianos (dentro e fora do Irã) contra uma invasão estrangeira, desenterrando sentimentos anti-americanos esquecidos faz tempo. Entre os custos de um confronto militar poderiam também se incluir ataques de retaliação com mísseis lançados pelo Teerã e pelos seus asseclas de Gaza e do Líbano. Por último, mas não menos importante, um ataque contra o Irã enfraqueceria definitivamente a sociedade civil iraniana, terminando a luta não-violenta dos seus dissidentes
Então, o que fica por ser feito se deixarmos de lado a idéia de lançar um ataque aéreo contra instalações nucleares e militares do Irã? Sem dúvida, um caminho muito difícil, mas certamente preferível à opção militar é pressionar Teerã através dos canais diplomáticos e empresariais para começar a tomar medidas que fomentem a confiança. Por outro lado, a grande esperança de tirar dos trilhos pacificamente os impulsos nucleares iranianos radica em convencer a China a implementar e aplicar adequadamente os controles e sanções comerciais contra o Irã. É frustrante e compreensível, que as sanções não tenham forçado Teerã a interromper seu programa nuclear, mas de fato teve um impacto tão importante para as finanças iranianas que o presidente Mahmoud Ahmadinejad teve recentemente que reconhecer que os bancos do Irã não podem fazer transações internacionais. Dito isto, convém notar que Washington e os seus parceiros europeus deveriam tornar mais claro qual é a situação que seria aceitável para a comunidade internacional no que diz respeito ao abandono do Irã de sua intensa pesquisa para desenvolver uma arma nuclear e para obter energia atômica para fins civis. Portanto, não é tarde demais para dissuadir o Irã de desenvolver e testar uma arma nuclear.
El País, Espanha, TRIBUNA: Ramin Jahanbegloo
Tradução do espanhol ao português: Alberto Milkewitz
Pasdaran: nome informal da Armada da Guarda Revolucionaria Iraniana.
Basij: em persa literalmente “mobilização”, também Basij-e Mostaz’afin (Mobilização dos Oprimidos), oficialmente, “Força de Resistência Basij”. É uma milícia paramilitar voluntária fundada por ordem do Ayatollah Khomeini em Novembro de 1979. Os Basij são em teoria subordinados e recebem suas ordens da Guarda Revolucionária Iraniana e do Líder Supremo Ayatollah Khameini. No entanto eles também foram descritos como “um grupo aliado, mas dissoluto de organizações” incluindo “grupos controlados por clérigos locais.”