A Confederação Israelita do Brasil promoveu nos dias 6 e 7 de março, em São Paulo, um encontro com os principais protagonistas da área de Educação Judaica no Brasil. Em destaque, o lançamento da Plataforma de Educação Judaica no Brasil, para capacitação de professores e debates sobre filosofia e gestão da educação e sobre o desenvolvimento de um sistema de cadastro único para concessão de bolsas de estudo.
Participaram integrantes das entidades mantenedoras, diretores gerais e coordenadores da área judaica de 14 escolas de vários Estados, além de escolas complementares, movimentos juvenis e sinagogas, contemplando ao todo um universo superior a 10 mil estudantes. Parcerias estabelecidas com o Instituto Samuel Klein e com o Fundo Pincus para Educação na Diáspora, permitiram a concretização deste projeto.
“O trabalho com educação tem tomado corpo e ganhado importância em nossa gestão. Acreditamos que este eixo seja imperativo para a sustentabilidade e a sobrevivência da vida judaica organizada em nosso país”, afirmou o presidente da Conib, Fernando Lottenberg.
“Pela primeira vez na sua história, a Conib, atendendo a demandas da rede educativa, está viabilizando uma plataforma de educação, cujo objetivo principal é o de qualificar os materiais da área pedagógica judaica e oferecer oportunidades de capacitação para a comunidade de educadores do Brasil, ou seja, os protagonistas”, acrescentou Lottenberg.
O encontro, que teve curadoria da Conib, contou com os seguintes especialistas: Simon Caplan, diretor de Educação do Fundo Pincus para a Educação Judaica; Ana Maria Wilheim, socióloga; Anna Penido, diretora do Inspirare; Ricardo de Abreu Madeira, professor da Economia-USP e especialista em economia da educação; professora Regina Scarpa, do Instituto Vera Cruz; Priscila Gonsales, mestre em Educação e especialista em Design Thinking; Celso Zilbovicius, diretor educacional do Projeto Marcha da Vida Universitários; e Revital Poleg, representante geral da Agência Judaica no Brasil.
Também participaram Alberto Milkewitz, diretor da Fisesp; Sergio Napchan, Eduardo Wurzmann e Karen Didio Sasson, diretores da Conib, e Shirley J. Sacerdote, coordenadora da Plataforma de Educação Judaica.
Wurzmann, secretário-geral da Conib, apresentou o resultado de questionário enviado às escolas sobre resultados nos vestibulares e ENEM, número de matrículas e de bolsistas. Seis das escolas judaicas perderam alunos no último ano.

A SUSTENTABILIDADE DAS ESCOLAS JUDAICAS
Eduardo Alcalay, presidente da mantenedora do Colégio I.L. Peretz, e Alexandre Ostrowiecki, presidente da escola Alef, falaram sobre a fusão das duas escolas paulistanas.
A Assembleia de Pais do Colégio I.L. Peretz aprovou recentemente a fusão. A nova escola ficará dentro do clube A Hebraica e, numa primeira fase, serão mantidos aspectos da cultura pedagógica de cada escola.
“Juntando forças, teremos mais escala e mais qualidade”, disse Alcalay. “Precisamos de, no mínimo 700 alunos, para dar conta dos custos, bolsas de estudo, filantropia. Além disso, a fusão traz massa crítica”, acrescentou Ostrowiecki.
Para Eduardo Wurzmann, “a decisão não é importante apenas para os pais dos alunos, mas para toda a comunidade judaica brasileira”.
Milkewitz acrescentou: “Herdamos uma bela comunidade, mas temos dificuldades há vários anos. A modernização é necessária. Vivemos situações semelhantes na união entre o Museu Judaico de São Paulo e o AHJB e na criação da Unibes Cultural”. A educadora Sarita Kreimer completou: “Os custos da escola judaica são muito altos, porque elas requerem período integral”.
No debate, surgiram perguntas sobre a razão de ser da escola, que aluno pretende formar e com qual educação, além da preocupação com a possível perda de identidade de duas escolas tradicionais. Nessim Hamaoui, da Revista Shalom, observou que a comunidade não privilegia a escola judaica e também perguntou por que as escolas estão separadas dos movimentos juvenis. Permeou todo o debate a questão: como atrair os alunos que estão fora da escola judaica.
Alcalay respondeu que há muita discussão entre as duas escolas sobre todas estas questões, mas que o foco é o longo prazo. Para Ostrowiecki, “as carências da escola judaica nunca foram vistas como um problema comunitário”.
Bruno Laskowsky, presidente da Fisesp, notou que a “arquitetura comunitária precisa de uma grande transformação, pois as necessidades são novas, e a estrutura existente é insuficiente. É essencial a formação de capital humano”.
Para Wurzmann, a Conib e as federações são indutoras das ações, para que se tenha nas escolas “pagantes necessários para bolsistas suficientes”.

BRASIL – EDUCAÇÃO EM PAUTA
Ricardo Madeira expôs os números que retratam o atraso educacional do Brasil, os avanços nos últimos anos, a qualidade dos professores, o uso da tecnologia.
Comparando o desempenho do Brasil com o Chile, temos um atraso de 23 anos em relação à taxa de escolaridade.
O Brasil aumentou seus gastos com educação, mas a proficiência dos estudantes não aumentou. O país gasta no ensino superior muito mais que países comparáveis, enquanto ainda tem muitas falhas nos ensinos fundamental e médio.
Estudos mostram que o nível socioeconômico das famílias é o fator mais importante para o desempenho dos alunos e apontam que a experiência e a formação do professor é um fator de controle direto deste desempenho.
Anna Penido aponta o esgotamento do modelo de escola criado no século 19, com o advento da Revolução Industrial (carteiras alinhadas na sala de aula, disciplina, sinal para o recreio).

Houve uma mudança do aluno. “Faz sentido mantermos aulas expositivas de 50 minutos, quando a neurociência mostra que os jovens não conseguem manter a concentração por mais de 10 minutos? ”. Ela aponta como uma das tendências a “gamificação” do ensino.
Isso suscitou dúvidas entre os professores presentes, que mencionaram a dificuldade de leitura de textos por parte dos universitários.
A possibilidade de o ensino público passar a ser em período integral também causou preocupação. A Unibes, que dá apoio a escolas não judaicas, afirma que seu trabalho é mais eficiente. Anna Penido concorda que a escola não consegue dar conta de todas as dimensões; ela deve ser um “hub”, requisitando o serviço de outras instâncias, como as ONGs.

UMA VISÃO SOBRE A EDUCAÇÃO JUDAICA NO MUNDO
O Fundo Pincus para a Educação Judaica foi criado há 40 anos pelo establishment educacional de Israel: uma parceria do governo com a Agência Judaica, Organização Sionista Mundial e American Jewish Joint Distribution Committee.
O Fundo já apoiou 900 projetos realizados em 93 países – o mais recente é este projeto no Brasil. O Fundo não atua em Israel e nos EUA; seu foco atual é o educador judeu.
Simon Caplan, diretor de Educação, veio ao Brasil para conhecer os educadores e escolas judaicas em São Paulo. Ficou muito entusiasmado ao saber que judeus de diferentes linhas religiosas estão participando do projeto encabeçado pela Conib.
Ele lembrou que 82% dos judeus vivem em Israel e nos EUA, “mas os 18% são muito importantes, maiores que seu tamanho”. Ele citou o grande número de líderes oriundos das comunidades menores e acadêmicos como Sergio Della Pergolla, especialista em demografia judaica, que é um judeu italiano.
Também mencionou a pós-graduação para professores de Educação Judaica, no México; a repopulação judaica na Alemanha, com grande número de imigrantes russos; e o grande sucesso do projeto Limud, na Rússia.
Panorama
Traçando um panorama da educação judaica no mundo, Caplan notou a predominância da escola diária, num contexto em que o judaísmo em casa diminui sua influência.
Quanto à fusão de escolas, considera que ela pode gerar mais recursos para os educadores.
Abordou a necessidade de se refletir sobre o que é educação judaica. “Os currículos normativos pendem para o ortodoxo. Por quê? Com a homogeneização, decai a educação específica de cada comunidade, de cada escola. Parece que estamos dizendo: as crianças continuarão judias, não importa como”. O rabino Rogério Cukierman observou: “No Brasil, não costumamos discutir o propósito das coisas. A fusão nos faz questionar”.
Quem recebe hoje educação judaica? Caplan diz que 90% do budget é direcionado aos mais jovens. “Mas como ter impacto, se os universitários não são educados?”

Anna Penido colocou outra questão interessante: quais os níveis a serem atingidos na educação judaica, para crianças e pais, se o judaísmo é algo que fica na pessoa, forma sua identidade?
E mais perguntas: “O educador judeu deve se especializar?”, questionou Caplan. Ele citou estudo do educador canadense Stephen Downes, sobre o papel do educador. Downes encontrou 23 papéis, que requerem diferentes personalidades/habilidades. Continuar a tratar os professores como se tivessem um só papel, a ser desempenhado por uma só pessoa, não resolverá os problemas da educação contemporânea, é a conclusão.

EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Os diretores das escolas debateram a escola como espaço de formação de professores, com a de Regina Scarpa, do Colégio Vera Cruz.
Ela abriu o debate relatando como funciona o colégio que, há 20 anos, possui um centro de formação continuada de professores. Abordou o percurso da escola refletindo sobre a formação do Instituto Vera Cruz, cujo objetivo é a prática reflexiva.
Scarpa detalhou como o instituto é organizado e a contínua revisão do material didático, o que gera confiança nos professores. Também há constante discussão dos problemas, entre os quais a dificuldade para formar turmas, dada a concorrência com programas gratuitos à distância.
Uma sugestão levantada por Sergio Napchan foi de organizar uma rede de centros de formação e institutos. Já Alberto Milkewitz sugeriu que as atividades do instituto sejam complementadas com módulos judaicos. Outra sugestão foi a de uma reunião semanal remunerada de professores.
Participantes do grupo falaram ainda sobre iniciativas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. No Rio, houve um programa de pós-graduação em Estudos Judaicos na PUC, para professores de escolas judaicas, e, em operação, uma parceria entre o Colégio Eliezer Max com a UFRJ.
Já na capital do Rio Grande do Sul, foi criada em 2010 a UniCCIB – Universidade Corporativa do Colégio Israelita Brasileiro, que é a primeira instituição para formação continuada e atualização da equipe de docentes criada dentro de uma escola de Ensino Médio no Brasil. Os professores trabalham conteúdos judaicos, gestão de inovação e empreendedorismo.

AVALIAÇÃO DO TRABALHO DESENVOLVIDO NAS ÁREAS JUDAICAS
Os responsáveis pelas áreas judaicas das escolas debateram sobre como aferir resultados no trabalho desenvolvido em sua área.
A primeira questão levantada foi a de que as escolas ensinam, além do conteúdo judaico, as matérias do currículo formal. E elas são avaliadas como um todo, sendo classificadas por esse todo.
O método de avaliação mais questionado pelo grupo foram as provas na área judaica: quais devem ser seus parâmetros? Se um dos objetivos da escola é formar a identidade de seus alunos, como avaliar seu sucesso?
Alguns participantes falaram sobre o uso da interdisciplinaridade entre matérias básicas e judaicas em suas escolas, com equilíbrio para que o essencial da cultura judaica não seja perdido. Ao mesmo tempo, formas de avaliação prática, como por exemplo a condução de sêder de Pessach, foram também propostas.
O estudo de todas as linhas judaicas também foi sugerido, para que cada escola possa definir sua própria identidade e ideais. Como bibliografia básica, poderia ser usado o livro “Models of Jewish Education”.
Houve debate entre duas propostas para atrair mais alunos: 1) pesquisar na comunidade o que se espera dos alunos de uma escola judaica, para que não haja discordância com os anseios dos pais; 2) A escola deve antes definir sua identidade, e os país decidirão em qual escola matricularão seus filhos.

TROCA DE EXPERIÊNCIAS ENTRE PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO JUDAICA
Educadores de pequenas comunidades, movimentos juvenis e sinagogas apontaram problemas comuns em suas atividades.
Lea Tbol, schlichá [emissária] da Agência Judaica em Recife e Natal, está preocupada com a falta de continuidade do trabalho nas pequenas comunidades: “Se um professor sai, volta tudo à estaca zero. Como deixar algo bem estruturado?”
Nas grandes comunidades, os problemas levantados são de natureza mais filosófica.
André Wajnberg, sheliach da CIP, afirmou: Precisamos quebrar o paradigma do judaísmo de gaveta, de ir à sinagoga apenas no Iom Kipur; o judaísmo deve ser algo que tange a vida”. Para ele, o sionismo tem culpa nesta “segregação”. Outro desafio é dar protagonismo ao jovem, que “não é o futuro, mas o presente da comunidade”.
Alexander Bitterman, sheliach do Netzah SP, perguntou: “Quantos jovens vão à tnuá [movimento juvenil]? No meu grupo, falta conhecimento do contexto sionista atual, falta crítica”.
Ricardo Frenkiel, da Marcha da Vida, reforçou: “Por que estes jovens não estão aqui agora? É necessário integrar os fóruns comunitários”.
Rachel Reichardt, da Comunidade Shalom, afirmou que a tnuá é quem pode criar a identidade judaica-sionista. “O ambiente não formal pode fazer a virada. Não existe educação complementar: a educação judaica é um todo!”. Para Lyca Stahl, do Museu Judaico de São Paulo, os pais precisam perceber a importância da educação judaica também fora da escola.
A rabina Deby Grinberg, coordenadora do Ensino da CIP, afirmou que falta material moderno em português [problema que a nova plataforma pretende solucionar]. Lucia Chermont, do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, acrescentou que falta também consciência da importância da preservação da memória material da comunidade.
Para Carlos Reiss, diretor do Museu do Holocausto de Curitiba, cada escola deve definir um caminho: “Não podemos ter um judaísmo praça de alimentação, que tem um pouco de tudo. O que queremos transmitir? E por quê?”
Wajnberg acrescentou: “Há dois públicos: o que não está na escola judaica e o que está. Este decidirá o futuro. No ensino ortodoxo, há coerência: a escola é igual à casa. Nosso desafio é trazer os pais, pois deve haver o reflexo em casa”.