Entrevista com o Presidente de Israel Shimon Peres, publicada no Jerusalém Post, em maio de 2011

Por David Horovitz

Em contraste enfático ao Primeiro-Ministro, o Presidente Shimon Peres não considera o pacto Fatah-Hamas como marcando potencialmente o fim da estrada diplomática entre israelenses e palestinos.

Na parede externa do gabinete de Shimon Peres em Beit Hanassi[1] está pendurada uma série de fotografias de vários eventos que são marcos diplomáticos árabe-israelenses. Proeminente entre eles é um retrato da cerimônia na White House[2] referente a Oslo em 1993 – mostrando a assinatura dos acordos com Yasser Arafat. Naquela ocasião inesquecível o Primeiro-Ministro Yitzhak Rabin hesitou uma fração de segundo antes de ir com um aperto de mão completo que, simbolicamente, legitimou o líder da OLP como parceiro da paz de Israel.

Por mais que se diga que Peres tem um relacionamento de trabalho muito bom com Benyamin Netanyahu, é duvidoso, para dizer o mínimo, que o atual Primeiro-Ministro partilhe o gosto do Presidente em fotografias decorativas.

Netanyahu sempre teve dúvidas bem profundas sobre como lidar com Arafat.
Não obstante os ataques terroristas subseqüentes da segunda Intifada, Peres acredita evidentemente, que Arafat continua a merecer um lugar no panteão dos parceiros da paz. Em nossa entrevista, feita para marcar o Dia da Independência, na verdade, ele fez a afirmação espontânea de que Arafat realmente abandonou o terrorismo. “Eu me lembro que eles disseram de Arafat: ‘Ele é um terrorista e ele não vai mudar”. Ele mudou”, declarou Peres.

O presidente de 87 anos de idade, é claramente relutante em desistir de quem ele considera seus associados para a paz. Ele falou em favor do presidente do Egito Hosni Mubarak nos primeiros estágios da revolta que viu ele derrubado. E, nesta entrevista, ele disse que considera o presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas ainda ser um parceiro de paz para Israel – “absolutamente” – apesar do acordo de reconciliação Fatah-Hamas assinado recentemente, que viu Abbas trazer os islâmicos ao coração de seu governo .

Em nítido contraste com Netanyahu, ele minimizou a importância desta nova parceria palestina como “uma ponte temporária”. E, mesmo sublinhando o imperativo para a comunidade internacional exigir ao Hamas de longa data às condições de legitimação – o reconhecimento de Israel e dos acordos anteriores, e a renúncia do terrorismo – ele enfaticamente não descartou a possibilidade de reformar o Hamas.

“Mas eles interpretam o Islã como exigindo a destruição de Israel”, eu apontei.

“E há uma nova geração que pensa diferente”, respondeu Peres.

“Dentro do Hamas?” Eu insisti.

“Eu não sei onde é dentro”, o presidente reagiu. “E você?”

Trechos:

Como você considera o acordo de reconciliação entre Fatah e Hamas? Você vê isso como uma oportunidade ou o fim da estrada? É uma traição do Abbas de tudo o que ele tinha assumido como obrigação no passado?

Não é nem uma coisa nem outra. É uma ponte Bailey[3]. Uma ponte provisória. Abbas afirma que o fato de que estamos criticando a reconciliação é uma intervenção em seus assuntos internos. Eu não estou interessado em intervir nos assuntos internos palestinos. Na minha opinião, [em princípio] é bom para os palestinos estar unificados.

Mas nós não nos opomos por causa de seus problemas internos, mas devido a temas de nossa segurança. Se fosse um problema de segurança interna para eles, não iríamos intervir. Mas o Hamas tem implicações de segurança para nós. Eles têm armas apontadas contra nós.

E, portanto, o que exigimos é que eles devem respeitar as condições do Quarteto … E ir para a ONU, apenas com uma declaração de um Estado, sem dar uma resposta às preocupações de segurança de Israel, isso vai significar uma continuação do conflito, não um fim ao conflito.

Você ainda ve Abbas como um parceiro?

Absolutamente.

Mesmo que ele trouxe um parceiro em seu governo que busca a nossa eliminação?

Ele é um parceiro porque ele quer manter negociações de paz com Israel… Ele se opõe à violência e ele quer a paz. Isso não significa que eu concordo com ele sobre tudo. Mas essas duas posições são a coisa principal.

O fato de que ele fez alguma coisa agora que você pode criticá-lo por, e que ele deve ser criticado por, e que eu o tenho criticado por, não me liberta da necessidade de conversar com ele.

Oslo deu-nos duas coisas. Deu-nos um campo de paz entre os palestinos. E sem Oslo, todos os palestinos seriam Hamas. E segundo, a base para a paz mudou de 1947 para 1967. Não tenho nenhuma intenção de virar as costas para o campo da paz palestino, mesmo se eu criticá-lo.

O primeiro-ministro tem estado na Europa. Ele logo estará nos EUA. O que ele deveria dizer em seus discursos e reuniões lá?

A chave é enfatizar que aqueles que escreveram as exigências do Quarteto devem insistir que essas condições sejam honradas.

Ele não deve colocar mais “carne” no marco de dois Estados – enunciando as necessidades de Israel? Requisitos de segurança, áreas que precisam ficar sob controle israelense? Não há um risco de que, se não houver um plano israelense, teremos um imposto?

Certamente ele precisa fazer isso. Mas tudo no seu tempo. Em uma negociação você tem posições de abertura e posições de fechamento. Em posições de abertura, nenhum dos lados quer nem piscar… Depois disso, você entra no âmago da questão. Ainda estamos na fase de posições de abertura. Precisamos pensar sobre como mover a partir das posições de abertura para as posições de operação…

Alguém liderando um movimento como este tem que decidir no início onde ele quer chegar no final.

Há aqueles que dizem que não querem um Estado Palestino. Então, qual é a alternativa? Que haja um Estado e a maioria irá determinar a sua natureza?

O consenso israelense é de suporte a um Estado palestino, porque as pessoas acreditam que é um imperativo judeu, mas …

Excelente. Mas se você tiver decidido sobre um Estado palestino, então você tem que fazer que essa decisão aconteça.

Mas você precisa de um parceiro.

Mas há um, mesmo com todas as divergências.

Abbas não chega nem para as negociações, ele exige um completo congelamento dos assentamentos, agora ele entrou em uma parceria com o Hamas. O meio termo israelense tem sérias dúvidas sobre ele…

“Dúvida” não é uma política. Dúvidas são um enigma. Se você quer fazer palavras cruzadas, vá em frente. Você precisa tomar posições. Vamos dizer que você está certo. Então, o quê? Desespero? Qual é a alternativa?

A alternativa de travar as negociações não é uma alternativa. Se pararmos as negociações, elas vão continuar sem nós, sem a nossa voz ser ouvida. Há coisas que não concordamos. Ok, nós não estamos de acordo.

Onde estão os norte-americanos neste processo? Você esteve recentemente com o presidente Obama.

Os americanos querem ver a paz entre nós e os palestinos. Eles apóiam um Estado palestino, mas não menos eles insistem na segurança para Israel. Há simetria. O presidente disse, inclusive para mim várias vezes, que “enquanto eu seja o presidente a segurança de Israel vai estar no topo da minha agenda.”

O presidente também diz que não pretende impor a paz. A paz não pode ser imposta. Paz tem de ser o resultado de um acordo. Se você pode chegar junto a posições de abertura, e então manter negociações sérias, ele diz, “eu sou um parceiro.”

Você pode afirmar categoricamente que este presidente é um verdadeiro amigo de Israel?

Sim. Primeiramente, o apoio a Israel é bipartidário. Olhe para algumas das coisas que ele fez, que eram bastante difíceis para ele. Por exemplo, o seu veto no Conselho de Segurança sobre a questão dos assentamentos – que foi contra sua própria opinião [sobre os assentamentos]. O Conselho de Segurança quis emitir uma condenação, e ele se opôs a ela.

Será que ele enfatiza um Israel com suas fronteiras expandidas para além das de 1967?

Há uma diferença entre as linhas de 1967 e  o território de 1967. Se você está falando sobre o território, os árabes concordaram que você pode tomar setores, para incluir os blocos de assentamentos [em um Israel expandido], e compensá-las em outros lugares. Ele não se opõe a isso.

Talvez devêssemos reconhecer um Estado palestino na Assembléia Geral da ONU em Setembro?

Sou a favor de reconhecê-los, desde que reconheçam as necessidades de segurança de Israel. Há dois componentes: Um Estado palestino e as necessidades de segurança de Israel. Se apenas falarmos sobre as necessidades de segurança de Israel, isso é apenas metade da história. Se eles só falam de um Estado palestino, isso seria só metade dela. E se apenas metade do trabalho está feito, isso vai significar uma continuação do conflito.

Eu também disse isso para o Secretário-Geral da ONU [Ban Ki-moon]. Eu disse a ele: “Senhor, você quer tomar uma decisão para um Estado palestino? Você pode parar o terrorismo? Você pode parar o tiroteio? Você pode impedir o incitamento? Então, vai haver um Estado palestino e tudo isso vai continuar? E isso será paz? É isso que você quer?”

Quando você olha em torno de nós todas as mudanças no mundo árabe, você vê algo positivo para Israel e o mundo livre?

Nós não criamos essa [turbulência]. Vamos manter um senso de perspectiva. Ela explodiu a partir de dentro, não por causa de nós. Eu havia previsto isso faz muito tempo e vai durar um longo tempo. Esta rebelião sabe o que não quer, mas ainda não sabe o que quer. Esta é a primeira rebelião no mundo que não tem ideologia, não tem liderança. É tão espontâneo. Ela se origina em razões corretas – ele nasce da repressão e da corrupção e da desilusão no mundo árabe. A geração mais jovem, com as novas possibilidades de comunicação, levantou-se.

Há pessoas que fazem grandes revoluções e pessoas pequenas tentam suprimi-las. Nós não queremos que o povo egípcio viva na pobreza e na humilhação.

Você já esteve em contato com Hosni Mubarak desde sua queda?

Não.

Mesmo que você inicialmente o apoiou?

Eu expressei minha opinião… Eu não acho que ajudaria se eu telefonasse para Mubarak na atual delicada situação.

Como você vê que tudo isso vai acabar?

Duas possibilidades. Ou [o mundo árabe] vai voltar para o tribalismo e a pobreza. Ou o mundo árabe vai entrar no século 21. Não há opção do meio. Eu não sei quanto tempo vai demorar.

E do ponto de vista de Israel?

Eles devem democratizar. Eles devem entrar no século 21, é claro. Nós não somos idiotas. Todo o judaísmo é construído sobre a base de que todos os homens são criados à imagem de Deus. Nossos valores devem ser mais fortes ainda do que as nossas políticas. Há valores fundamentais.

E quando você olha para a Síria…?

A mesma coisa. Os Assads transformaram a Síria em uma colônia de família. Eles construíram um exército Alawite. É um país pobre, com alto desemprego, sem água. População crescente. Renda em queda. Estou triste por vê-lo. Você não pode prosperar no século 21 com a agricultura desatualizada e modos desatualizados de vida… Lá e em outras partes do mundo árabe, as mulheres vivem virtualmente como escravas…

Você vê um duplo padrão sendo utilizado contra Israel? America mata Osama bin Laden e todos aplaudem; Israel matou Sheikh Yassin e só recebe golpes.

Existem diferentes padrões. América dirige o mundo e nós somos esbofeteados pelo mundo. América tem um papel completamente diferente. Se você olhar para a América, não só no contexto de bin Laden, é a superpotência primeira do mundo, e construiu o seu poder sobre o que tem dado, não o que tomou. A contribuição norte-americana é extraordinária.

E tem responsabilidades. Agora, 4.000 americanos foram mortos [nos ataques 9 / 11]. Isto não é uma brincadeira de criança. Eles fizeram o que tinham que fazer. Nós também fizemos coisas assim.

E temos sido golpeados por isso.

Nem sempre. Para Entebbe, tivemos ondas de apoio. Matamos todos os terroristas.

E sobre a Operação Chumbo Fundido?

Há componentes pró-árabes [na comunidade internacional]. Componentes pro- muçulmanos…

Mas no geral, você considera que a parte “responsável” da comunidade internacional é justa com Israel? Europa?

Na Europa de hoje, o fator mais poderoso é o Vaticano. Nós nunca tivemos um melhor relacionamento com o Vaticano do que temos hoje. É um novo mundo. Ásia – grandes números. Os chineses… América está com Israel. O Canadá está com Israel. Ok, uns poucos escandinavos estão contra nós. O que você pode fazer? Eu não tenho certeza que a Suécia seja mais importante do que a Índia. No geral, a posição de Israel é gloriosa. Nós fizemos a paz com dois Estados inimigos.

Isso irá se manter?

Eu espero que sim. Há boas razões para isso. A revolução ainda está em curso.

Você vê-la chegar ao Irã?

O Irã é um bom candidato. Eles certamente merecem.

Eu quero voltar para o acordo Fatah-Hamas novamente. Eu suponho que você não quer me dizer se você falou com Abbas antes de ele tomar este passo?

Correto. Eu não quero entrar nisso.

Mas você parece muito otimista. É uma leitura equivocada considerar o Hamas como parte da liderança palestina agora e, assim, ser …?

Nós não estamos lendo errado. Mas é errado pensar que isso é para sempre.

Eu me lembro que eles disseram de Arafat, “Ele é um terrorista e ele não vai mudar”. Ele mudou.

Você vê uma chance de que o Hamas vai mudar, abandonar o terror, chegar a um acordo com Israel? Mesmo assim, com o Hamas, há o imperativo religioso?

Mas até mesmo a religião nem sempre é o que costumava ser. É mundo católico hoje é o mesmo que era há 900 anos?

Mas eles interpretam o Islã como exigindo a destruição de Israel.

E há uma nova geração que pensa diferente.

Dentro do Hamas?

Eu não sei onde é dentro. Não é? Vamos ser modestos. Os árabes não têm escolha – seja a pobreza e a repressão ou entrar no século 21. Não há escolha. Eu entendo que há bastantes árabes – principalmente mulheres e jovens – que já tiveram o suficiente. Eles podem ser muçulmanos. Eles podem ser muçulmanos esclarecidos.

Você não está preocupado com o grande número no mundo árabe que, independentemente da suas outras demandas de liberdade, querem o nosso país eliminado desta região?

Deixe-me consolá-lo. Por mil anos, os europeus odiavam um ao outro. Havia guerras. Depois de Hitler foi derrotado, uma nova Europa apareceu.

Tudo está aberto agora. Tudo é global. Não há fronteiras. Você não pode esconder a verdade. Eu disse a Mark Zuckerberg, recentemente, que costumávamos ser o povo do livro, agora somos o povo do Facebook.

Nós em Israel estamos errados a nos sentir ameaçados?

Sintam-se ameaçados. Praticamente, se preparem da melhor forma possível para o pior, e se preparem para mudar a situação para o melhor. Não estou sugerindo que Israel reduza a sua força. Eu também não sugiro que Israel reduza o seu desejo de paz.

(Esta entrevista foi conduzida em conjunto com o meu colega Greer Fay Cashman.)

Tradução do inglês para o português: Alberto Milkewitz


[1] BEIT HANASSI literalmente a Casa do Presidente, residência oficial do Presidente do Estado de Israel. NT

[2] WHITE HOUSE, a Casa Branca onde foram assinados os acordos de Oslo em 1993. NT

[3] A ponte Bailey é um tipo de ponte transportável e pré-fabricada. Foi desenvolvida pelos britânicos durante a Segunda Grande Guerra para uso militar e tem tido uso extensivo pelas unidades de diferentes exércitos. NT